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DESDE 2008

A maioria das vítimas são mulheres, predominantemente na faixa etária entre 35 e 64 anos. | Reprodução

Perigo na palma da mão! Vítimas relatam golpes digitais

A Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) informa que foram registrados 9.898 casos de estelionato praticados em meio virtual no Pará só neste ano. Veja relato de vítimas e conheça formas de se prevenir.

userAutor:Mayra Monteiro/DOL

Era uma noite de quinta-feira, 11 de julho, o técnico em eletrônica Eduardo Castelo, 31 anos, recebeu uma ligação inesperada, justo no dia em que celebrava o aniversário da mãe dele. Era uma interessada na TV que ela havia anunciado no Marketplace do Facebook, um pouco mais cedo. A descrição do anúncio era clara: TV smart, 50 polegadas, 4K, valor de R$ 1700,00. O dia foi marcado por conversas constantes com o suposto comprador, cuja foto de perfil no WhatsApp mostrava uma família em um casamento, acompanhada da frase “Fechado com Jesus”. Nada parecia suspeito.

Pela manhã, o suposto comprador informou que uma “amiga” iria até do Eduardo para verificar a TV. Foi essa moça que ligou enquanto o vendedor comemorava o aniversário da mãe, afirmando que havia chegado ao endereço. Para o técnico, o golpista havia dito que, se tudo estivesse certo, ele compraria a TV e a revenderia para ela por um valor mais alto. No entanto, sem que o dono da TV soubesse, o golpista pegou o anúncio original e o republicou com a mesma descrição e foto, mas por um valor bem mais baixo: R$ 500.

A compradora, convencida pelo golpista, acreditava que estava adquirindo a TV por R$ 500,00. O golpista a instruiu a não falar sobre o valor da smart para o “amigo” e fazer um pagamento antecipado para garantir a segurança da transação. Na casa do Eduardo, após avaliar a TV, a compradora fez o pagamento do valor de R$ 150, acreditando que estava pagando o restante da compra para o verdadeiro dono da TV.

Após o pagamento, a compradora informou que havia transferido o valor para o “amigo” do golpista. Um silêncio de dois minutos se seguiu. Eduardo, surpreso, perguntou: “Você fez o pix para quem?” A compradora respondeu: “Para o seu amigo.” Foi então que Eduardo esclareceu: “Ele não é meu amigo e eu não o conheço.”

O silêncio voltou a reinar entre os dois. A compradora, desesperada, disse: “Ele tirou a foto de perfil, não me responde mais.” Foi nesse momento que ambos se olharam e perceberam que haviam sido vítimas de um golpe digital.

Eduardo Castelo, 31 anos: venda de TV resultou em dor de cabeça com golpista pelo Marketplace do Facebook.
📷 Eduardo Castelo, 31 anos: venda de TV resultou em dor de cabeça com golpista pelo Marketplace do Facebook. |Reprodução

Assim que perceberam o golpe, ambos se dirigiram à delegacia mais próxima para registrar um Boletim de Ocorrência (B.O), na tentativa de identificar o golpista e recuperar o dinheiro. A compradora, segundo seu relato, havia emprestado a quantia da mãe para comprar a TV, que usaria para estudar para um concurso público.

No entanto, ao registrarem a ocorrência, o delegado foi taxativo: não seria possível capturar os envolvidos e muito menos recuperar o dinheiro. De acordo com as vítimas, o delegado ainda fez uma observação sarcástica: “Você realmente tem esperança de recuperar o dinheiro? Rum! Eles devem estar muito longe agora, aproveitando e tomando uma cervejinha”.

Mas a observação do delegado tem uma explicação: segundo o Anuário de Segurança Pública, só no ano de 2023, foram mais de R$ 1 bilhão perdidos em golpes digitais. O Brasil é o segundo país que mais sofre com ataques e crimes cibernéticos na América Latina, além de ser líder em golpes financeiros. Esses crimes são cada vez mais comuns, com golpistas utilizando diversas técnicas para atrair e enganar suas vítimas.

Furto de Identidade:

Outra forma comum de golpe digital é o furto de identidade, onde alguém se passa por outra pessoa para obter vantagens ilícitas. Foi exatamente esse tipo de golpe que fez uma nova vítima, que prefere não se identificar. Recentemente, ele foi enganado pelo aplicativo de mensagens WhatsApp. Segundo a vítima, o golpista se passou por seu filho.

“Iniciou a mensagem perguntando como eu estava, se estava tudo bem. Depois disse que havia trocado de número e pediu para eu salvar seu novo contato. Em seguida, mencionou que estava precisando de dinheiro e perguntou se eu poderia ajudar. Como achei que fosse meu filho, acabei caindo na conversa e, quando percebi, já havia transferido dinheiro para a conta que ele pediu,” relatou.

O prejuízo financeiro foi significativo. “Transferi R$ 820 para a conta de uma mulher. Na mensagem, meu ‘suposto filho’ dizia que estava devendo essa pessoa e que era para eu transferir o dinheiro diretamente para ela,” explicou.

Ainda de acordo com a vítima, essa foi a primeira vez que caiu em um golpe. “Vacilei em não ter ligado para o meu filho. A gente acaba caindo nesses golpes por descuido mesmo. A comodidade em apenas mandar mensagem me fez cair no golpe, pois se tivesse ligado para ele, para saber mesmo se estava precisando de ajuda, se era ele, não teria caído. É tudo muito rápido; quando você se toca, já era. Mas fica a lição, de aprendizado mesmo,” refletiu.

Agora, ele adota uma postura mais cautelosa para evitar passar as situações semelhantes. “A partir de agora é ter cuidado redobrado mesmo. É verificar, ir atrás, saber se procede mesmo, ligar até falar com a pessoa para tirar a dúvida”, concluiu.

As pessoas com mais de 60 anos estão cada vez mais conectadas, mas essa conectividade também as torna um dos principais alvos de quadrilhas especializadas em crimes cibernéticos. Em 2024, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos já recebeu mais de 21 mil denúncias de violações desse tipo, com mulheres representando a maioria das vítimas.

Um caso recente envolve Clarisse Araújo, uma dona de casa de 62 anos, que foi vítima de um golpe de furto de identidade. Clarisse relatou como aconteceu:

“Um homem colocou uma foto no perfil se passando pelo meu filho. Eu comecei a falar com ele como se fosse ele. A primeira vez ele me pediu cartão e eu disse: ‘Menino, tu sabes que eu não tenho cartão. Quando eu chegar em casa a gente conversa’. Como ele chegava tarde do trabalho, eu acabei não falando mais sobre o assunto. Depois, ele tornou a falar comigo, pedindo dinheiro emprestado. Eu briguei com ele, perguntando: ‘Pra que tu queres dinheiro? ‘ Ele respondeu que estava precisando naquele momento e mandou uma chave Pix para eu depositar”.

Como podemos perceber, muitos golpistas utilizam táticas emocionais e criam situações de urgência para induzir suas vítimas a agirem rapidamente, sem refletir sobre a veracidade dos pedidos.

Dona Clarisse Araújo e o filho Andrey: golpe pelo WhatsApp
📷 Dona Clarisse Araújo e o filho Andrey: golpe pelo WhatsApp |Reprodução

Dona Clarisse seguiu contando que tentou, mas não conseguiu fazer o depósito na hora, então foi falar com a sua filha, que a alertou: “Mãe, isso é golpe. O Andrey não iria lhe pedir dinheiro assim”.

No entanto, ninguém conseguia contato com o rapaz para saber se ele realmente estava precisando e o motivo de estar pedindo dinheiro para a mãe com tanta urgência. Durante esse tempo, como ninguém conseguiu contato, desesperada, dona Clarisse acabou fazendo o Pix de R$ 330,00. “O cara ainda agradeceu, me chamando de mãe. Logo em seguida, o Andrey apareceu mandando mensagem dizendo que eu tinha caído no golpe. Fui na delegacia virtual, registrei a ocorrência, mas nada fizeram”, contou.

Este relato mostra a vulnerabilidade de pessoas mais velhas diante dos golpes virtuais. Por isso, especialistas recomendam que adotem medidas preventivas para a terceira idade, como a verificação de solicitações financeiras por outros meios de comunicação antes de realizar qualquer transação. Além disso, é importante que as plataformas de redes sociais e os serviços financeiros aumentem a segurança e a conscientização sobre esses tipos de crimes.

Com o aumento das denúncias, a necessidade de uma resposta efetiva das autoridades é urgente para proteger esse público, que merece navegar no mundo digital com segurança e tranquilidade.

Quase dez mil casos só neste ano

De acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Segup), entre janeiro e julho de 2024, foram registrados 9.898 casos de estelionato praticados em meio virtual no Pará. Em comparação com o mesmo período de 2023, que contabilizou 9.537 ocorrências, nota-se um aumento significativo desses crimes.

A maioria das vítimas são mulheres, predominantemente na faixa etária entre 35 e 64 anos. A Segup destaca, no entanto, que não elabora rankings de bairros ou cidades mais afetadas, a fim de evitar a estigmatização de regiões ou populações específicas.

Para enfrentar essa modalidade criminosa, o Estado do Pará conta com a atuação da Polícia Civil, por meio da Delegacia Especializada em Investigação de Estelionato e Outras Fraudes (DEOF) e da Diretoria Estadual de Combate a Crimes Cibernéticos (DECCC). Essas unidades investigam casos de estelionato virtual e lideram operações constantes para desarticular e prender grupos criminosos envolvidos nesse tipo de crime.