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DESDE 2008

Foto: Gimli Glider Exhibit/Divulgação

Air Canada 143, o ‘planador de Gimli’: como um piloto pousou um Boeing numa pista de corrida após voar 17 minutos sem combustível

 

O comandante canadense Bob Pearson, além de piloto de aviões comerciais, era também um exímio e experiente piloto de planadores — aviões pequenos que são rebocados até o céu e voam sem motores. Ele jamais imaginou, porém, que precisaria “planar” algum dia na vida com um Boeing 767 de 80 toneladas, capaz de carregar quase 300 passageiros.

E, no entanto, foi isso mesmo o que aconteceu. O feito de Pearson foi tão inédito que o voo ficou conhecido, assim como o 767 envolvido, como o “planador de Gimli”.

O episódio ganhou fama entre profissionais da aviação e envolve uma série de coincidências e golpes de sorte, mas também um erro bizarro de matemática (leia mais abaixo).

No dia 23 de julho de 1983, o voo da Air Canada 143 partiu de Montreal com destino à capital do país, Ottawa, e seguiu de lá para a cidade de Edmonton. Pearson era acompanhado pelo copiloto Maurice Quintal, e a aeronave estava relativamente vazia, com 61 passageiros e 8 tripulantes.

Aquele Boeing era um dos quatro primeiros 767 adquiridos pela Air Canada e tinha apenas cerca de 150 horas de voo após sair da fábrica.

Ainda era relativamente raro uma aeronave do porte do 767 não ter um engenheiro de voo na cabine de pilotagem: a posição havia sido substituída por computadores de bordo que executavam todo tipo de função.

Uma questão menor e facilmente contornável enfrentada por Pearson e Quintal naquele dia era um problema nos medidores de combustível, que estavam desligados – mas os pilotos haviam inserido manualmente os dados no computador, que calculava o consumo.

A tranquilidade do voo de rotina foi quebrada quando um dos motores exibiu um aviso de baixa pressão na bomba de combustível. Haveria um vazamento? Um problema no equipamento? Outro alarme soou na cabine instantes depois, indicando baixa pressão em outra bomba.

Eles estavam no meio do caminho, sobre a pequena cidade de Red Lake, mais de 1.000 km longe de Edmonton. Pearson decidiu não correr riscos, temendo uma pane seca, e optou por desviar a rota para Winnipeg, a 200 km.

O voo 143 já havia declarado emergência e a torre de controle já estava ciente, enquanto, uma a uma, as bombas de combustível falhavam. O comandante iniciou a descida da altitude de cruzeiro, a 12.000 metros, para 8.000 metros.

A falha persistia, no entanto, e o que parecia impossível aconteceu: os dois enormes motores do 767 simplesmente desligaram, um após o outro.

Para obter a licença para pilotar o modelo, piloto e comandante haviam treinado em simulador situações de emergência em que o pouso ocorria com apenas um dos motores funcionando – mas nem eles, nem ninguém havia pousado um 767 na história sem absolutamente nenhuma potência no motor.

Pearson já havia iniciado a descida quando se viu não mais em uma aeronave moderna, mas em um enorme planador: as telas digitais no painel de controle, novidade na época, subitamente ficaram pretas.

Turbina de emergência

Isso porque os motores da aeronave também fornecem energia elétrica para os sistemas. Existe um sistema de emergência, ativado pelo 767 assim que o voo 143 ficou sem combustível: o RAT (Ram Air Turbine, ou turbina de ar de arrasto, em tradução livre), uma pequena turbina que “cai” de uma abertura da fuselagem e que, ao girar pela força do ar, fornece energia para sistemas básicos da aeronave.

Sua capacidade é muito limitada, mas ela garante o funcionamento do rádio e do sistema hidráulico que dá ao piloto a capacidade de manobrar o avião.

O transponder que informava a posição da aeronave para a torre, por exemplo, parou de funcionar. Os controladores de Winnipeg precisaram ligar o radar primário, um equipamento já ultrapassado, para localizar o voo 143 no céu.

Pelas informações da torre, o copiloto Maurice Quintal calculava a taxa de descida que a aeronave descrevia. Suas conclusões não eram nada animadoras: o 767 se encontraria com o chão cerca de 25 km antes de chegar à pista de Winnipeg.

Mas Quintal conhecia aquela região como a palma de sua mão, pois havia servido em uma base aérea muito próxima, na cidade de Gimli. Foi ele que sugeriu que a torre os direcionasse para lá, em uma pista suficientemente longa e relativamente vazia.

 

Voo Air Canada 143, conhecido como o 'planador de Gimli' — Foto: Gimli Glider Exhibit/Divulgação

Voo Air Canada 143, conhecido como o ‘planador de Gimli’ — Foto: Gimli Glider Exhibit/Divulgação

O comandante concordou e a torre os ajudou a encontrar visualmente a pista. Era preciso descer, e rápido. Se ele embicasse a aeronave para baixo, porém, ela ganharia muita velocidade, e não seria capaz de frear antes do fim da pista.

Foi então que a experiência de Pearson em planadores se mostrou útil: ele executou uma manobra chamada glissagem (“sideslip”, em inglês), inclinando as asas para uma direção, mas virando a aeronave para a outra, fazendo o avião atacar o ar de lado, como um caranguejo, aumentando assim o arrasto. O procedimento é comum em aeronaves pequenas, mas nunca executada com aviões comerciais – muito menos quando eles estão cheios de passageiros.

O avião voou para Montreal com apenas um medidor ativo, com o conhecimento do comandante e uma fita amarela indicando no painel que havia um defeito constatado. Também foi feita uma anotação no livro de bordo.

Ao chegar em Montreal, porém, houve uma falha de comunicação. A equipe local notou que havia uma discrepância na medição de combustível dos dois canais, fazendo com que o sistema desativasse o medidor, mas não notou que apenas um canal estava passando informações incorretas. O engenheiro presumiu que as indicações no painel e no livro de bordo informavam sobre um defeito geral nos medidores.

Voo Air Canada 143, conhecido como o 'planador de Gimli' — Foto: Gimli Glider Exhibit/Divulgação