Procura por teste de Covid-19 dispara em laboratórios privados de SP; médicos alertam para falso negativo e pedem uso racional

25 de abril de 2020 at 14:49

Paulistanos sem sintomas estão procurando testes rápidos para verificar se têm anticorpos e ‘burlar’ quarentena. ‘A procura é uma resposta à angústia das pessoas, mas não é uma resposta lógica ou suportada pela ciência’, diz médico. Pesquisadores da USP querem popularizar teste PCR, considerado mais eficaz.

Por Beatriz Borges e Patrícia Figueiredo, G1 SP — São Paulo

25/04/2020 07h00  Atualizado há 7 horas

Teste sorológico rápido para coronavírus é feito em esquema drive-thru por laboratório privado na Zona Sul de São Paulo — Foto: Arquivo pessoal

Teste sorológico rápido para coronavírus é feito em esquema drive-thru por laboratório privado na Zona Sul de São Paulo — Foto: Arquivo pessoal

A busca por exames de coronavírus na rede privada de São Paulo disparou nos últimos dias e fez com que os laboratórios da capital investissem em testes no esquema drive-thru ou com coleta domiciliar, que custam de R$ 150 a R$ 450. A alta procura, especialmente por pessoas que não têm sintomas, pode fazer com que faltem testes no sistema privado, como já ocorreu na rede pública, segundo alerta a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed).

“Eu não vou fazer o teste rápido porque eu posso pagar e pronto. Se todo mundo que puder pagar for fazer, ele vai faltar. A população precisa entender que ter acesso não significa ter necessidade. Precisa entender o uso racional do exame, tanto no privado quanto na rede pública”, afirma Priscila Martins, diretora da Abramed.

Os testes do tipo RT-PCR, que detectam o material genético do vírus e são considerados mais confiáveis, só são feitos com pedido médico. Já os testes sorológicos rápidos, que indicam se o paciente tem anticorpos contra o vírus, são realizados sem receita em postos de drive-thru ou até em tendas montadas por alguns laboratórios em condomínios de alto padrão na capital. Apesar disso, médicos e entidades procurados pelo G1 questionam a eficácia do teste rápido e lembram que ele não pode ser usado como pretexto para furar a quarentena.

Para que os exames do tipo PCR, essenciais para o diagnóstico de pacientes sintomáticos, se tornem mais acessíveis, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) estão estudando a possibilidade de adotar uma outra técnica, conhecida como PCR Clássica, que utiliza reagentes nacionais. O método pode permitir que laboratórios pequenos se tornem capazes de fazer testes com alto grau de confiabilidade.

Hoje, segundo a Abramed, pouco mais de uma dúzia de laboratórios privados têm capacidade de fazer o exame PCR para Covid-19 no país.

Indicação do teste rápido é questionada

Os laboratórios de São Paulo oferecem duas variedades de teste para coronavírus: o molecular, também chamado de PCR, que localiza o RNA do vírus e detecta sua presença no organismo desde o primeiro dia de contaminação; e o teste rápido, sorológico, que identifica a presença de anticorpos contra o vírus no sangue.

Na capital paulista, cinco laboratórios (Labi Exames, CDB, Fleury, Alta e Delboni) confirmaram ao G1 que fazem o teste do tipo RT-PCR. Em relação ao sorológico rápido, duas marcas confirmaram que o fazem sem receita médica (Labi Exames e CDB) e três disseram que exigem receita (Fleury, Alta e Delboni) para todo tipo de teste de Covid-19. Os valores divulgados variam de R$ 150 a R$ 368 para o teste RT-PCR e de R$ 210 a R$ 245 para o teste rápido, mas nem todos os laboratórios anunciaram os seus preços.

Testes para Covid-19 em São Paulo — Foto: Reprodução/TV Globo

Testes para Covid-19 em São Paulo — Foto: Reprodução/TV Globo

O PCR é feito com secreções da mucosa nasal e da garganta que é processada em máquinas junto a reagentes que indicam a presença do material genético do vírus. Trata-se do tipo de exame realizado pelo Instituto Adolfo Lutz, que chegou a ter 21 mil amostras na fila de espera por resultados. É um teste de alta precisão e considerado essencial para pessoas com sintomas graves.

O outro tipo de exame, o sorológico, ainda é questionado por entidades médicas. Alguns laboratórios, não oferecem a modalidade porque os testes, importados, ainda não foram validados por entidades médicas. Segundo a Abramed, isso deve ocorrer apenas no mês de maio. Além disso, médicos alertam que o teste rápido pode dar a sensação de que a pessoa está imune ao coronavírus quando, na verdade, não está.

“Eu não vejo hoje razão para fazer um teste sorológico rápido. A procura por ele é uma resposta à angústia das pessoas, mas não é uma resposta lógica ou suportada pela ciência”, afirma o médico Luis Fernando Waib, da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

Apesar disso, os laboratórios confirmam que há muita procura por testes rápidos entre pessoas assintomáticas.

“Por não exigir pedido médico, muitos pacientes estão procurando o laboratório para realizar o Teste de Anticorpos Coronavírus para que possam saber se estão potencialmente imunizadas”, afirma o laboratório Labi Exames em nota.

Mesmo entre laboratórios que exigem receita para todo tipo de exame, a procura está em alta. “Desde 14 de fevereiro de 2020, o Grupo Fleury já processou mais de 40 mil testes de diagnóstico da COVID-19, entre RT-PCR e sorologia”, afirma a assessoria de imprensa da marca.

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Aumenta a procura por laboratórios particulares para exames de coronavírus em Rio Claro, no interior de SP

Aumenta a procura por laboratórios particulares para exames de coronavírus em Rio Claro, no interior de SP

Diretora da maior associação de laboratórios de diagnóstico brasileira, Priscila Martins reconhece que o teste rápido não pode ser entendido como uma garantia de imunidade ao coronavírus.

“Se você fizer o teste rápido e der positivo, ok, você já teve contato com o vírus, então você pode ter imunidade, mas não existem estudos que comprovem que ocorre a imunização após a contaminação”, explica Priscila Franklim Martins, diretora-executiva da Abramed.

“Se você o faz e teve resultado negativo, também não quer dizer que você não teve contato. Se você teve há menos de 10 dias, o corpo pode ainda não ter produzido anticorpos em quantidade detectável, e você tem aí um falso negativo.”

O infectologista Luís Fernando Waib destaca que não se sabe ainda quanto tempo o organismo demora para produzir anticorpos.

“O exame sorológico só vai dizer que você tem uma resposta imunológica. Entre ter o anticorpo positivo e você estar imune existe uma diferença. Esses testes estão em processo de validação ainda”, explica.

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Entenda a diferença entre testes rápidos e testes PCR para diagnosticar o novo coronavírus

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Para Waib, o teste deve passar a ser útil quando houver comprovação científica de que ter o anticorpo significa estar imune. “Sem saber isso, você só saberá se teve ou não teve a doença, e isso não deve mudar a conduta em relação à quarentena ou medidas de isolamento social. Não me autoriza, neste momento, a relaxar meus cuidados”, afirma o infectologista.

A principal utilidade do teste rápido seria identificar qual percentual da população já teve contato com o vírus, segundo o infectologista da Unifesp, Artur Brito

“Seria um teste muito útil no momento em que a gente começa a rediscutir o relaxamento das medidas de quarentena, de isolamento social, porque a gente teria uma noção melhor de qual é o percentual da população que teve contato com o vírus e produziu anticorpos contra ele. Esse é um dado muito importante para poder compreender como está sendo a dinâmica do vírus no país”, afirma Brito.

USP quer popularizar os exames

Para que os testes sejam mais acessíveis, pesquisadores da USP estudam a possibilidade de adotar uma outra técnica, conhecida como PCR Clássica, para realizar os exames utilizando reagentes nacionais.

Prédio do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) no campus Cidade Universitária, em São Paulo  — Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Prédio do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) no campus Cidade Universitária, em São Paulo — Foto: Marcos Santos/USP Imagens

“O limitante para o PCR em tempo real é o preço do reagente. A diferença é que o PCR Real utiliza reagentes importados que custam muito caro, o PCR clássico usa reagentes feitos no Brasil que são mais baratos e de mais fácil acesso”, explica o professor titular de virologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, Edison Durigon.

“O que está acontecendo hoje não é só o preço, porque muita gente paga o quanto for, o que está acontecendo é que, por esses reagentes serem importados, a dificuldade de encontrá-los é muito grande”, destaca Durigon.

O pesquisador defende que a vantagem do PCR em tempo real é que ele permite que sejam feitos testes em larga escala. No entanto, o PCR clássico é uma técnica que já existe e que permite que laboratórios pequenos também possam realizar os exames com reagentes nacionais.

“É lógico que o PCR em tempo real, por ser um método mais automatizado permite se fazer larga escala de testes, o PCR Clássico ele não permite isso, mas ele faz o trabalho de formiguinha porque muitos laboratórios podem fazer o PCR Clássico. […] Já é uma tecnologia de domínio de todo mundo, não é uma tecnologia nova, nós voltamos atrás na tecnologia, e a grande vantagem é que você compra tudo nacional”, explica.

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Conheça as vantagens e desvantagens do teste PCR para detectar o coronavírus

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O professor da USP lembra que o exame PCR em tempo real tornou-se um teste “elitizado” por conta do seu preço alto.

“Ele acabou ficando um teste muito elitizado, ou seja, só os laboratórios grandes e particulares que estavam fazendo. Acabou que, pela restrição dos insumos, ele fez com que o diagnóstico fosse só em pacientes graves. Os números que nós temos hoje são de pacientes graves, mas nós não sabemos quantos pacientes leves são positivos, porque não foram testados por essa dificuldade”, completa.

Edison ressalta que, assim como o PCR em tempo real, o PCR clássico possui um alto grau de sensibilidade, ou seja, uma grande probabilidade de diagnosticar corretamente pessoas que estão com a doença. Por isso, ele seria considerado tão eficaz quanto a técnica que já vem sendo adotada.

“A gente tentou validar usando os mesmos protocolos do PCR em tempo real e obtivemos um resultado extremamente semelhante, ou seja, esse teste se mostrou bastante sensível, bastante específico, como o PCR em tempo real, e muito mais fácil de se fazer porque essa tecnologia já é de domínio comum”, conta.

Laboratórios têm alta demanda

Atualmente, a maioria dos testes realizados no Brasil utilizam a técnica denominada PCR em tempo real. Para ser realizada, ela necessita de reagentes que vêm do exterior e de máquinas de alto custo que apenas alguns laboratórios do país possuem.

O diretor clínico do Fleury, Celso Granato, conta que no início da pandemia o laboratório enfrentou empecilhos para lidar com a alta demanda devido a dificuldade de adquirir os reagentes fundamentais para realização do teste. Por isso, o laboratório passou a focar em amostras de pacientes internados, como já ocorre na rede pública.

Profissional prepara teste pra coronavírus no Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo — Foto: Reprodução/TV Globo

Profissional prepara teste pra coronavírus no Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo — Foto: Reprodução/TV Globo

“A medida que o tempo foi passando começou a aumentar muito o número de pedidos e ficou mais difícil comprar, então, a gente passou a fazer só do pessoal internado, porque não dava para fazer teste em todo mundo. Começou a chegar a um ponto que a gente chegou a fazer 2 mil testes por dia, e esse não é um teste que deva ser feito nesse volume, pois começa a ter risco de contaminação de uma amostra com a outra, de um funcionário se contaminar”, afirma Granato.

Para atender a alta demanda durante a pandemia do coronavírus, Granato conta que o laboratório Fleury precisou intensificar o trabalho de sua equipe e redirecionar o uso de alguns equipamentos. Mas enfatiza que a principal dificuldade para elaboração dos exames era a falta do reagente.

“Então, nossa limitação não era nem gente, nem máquina, mas esse insumo, esse pedacinho do vírus que é essencial para você fazer o teste. Isso não tem jeito de fazer no Brasil, agora”, diz Granato.

“Agora aumentou o número de produtores, as filas também começaram a se equacionar melhor, então, agora a gente já está conseguindo fazer com um pouco mais de tranquilidade”, completa.